GATO CHICO 2.0

 O JOVEM GATO CHICO


“Vem cá, meu gato, aqui no meu regaço;

Guarda essas garras devagar,

E nos teus belos olhos de ágata e aço

Deixa-me aos poucos mergulhar .” – Charles Baudelaire


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O sol no verão nos alegrou, as folhas no outono voaram e o vento no inverno sussurrou, mas agora chegou a (segunda) primavera de Chico, o gato rajado e cinzento que perambula pela vizinhança quando seu dono não está em casa e encanta a todos os mortais com seus olhos brilhantes. 

Chico deixou de ser um gato fofo e agradável filhote para crescer e se embolar na juventude felina. Hoje, completam dois anos desde que foi resgatado, dois anos de carinho, amor e petiscos. Dois anos em que eu o observo de longe, anotando mentalmente em meu diário imaginário o dia a dia do jovem Chico e suas aventuras.

Quando a noite chega, Chico e seu dono vão para a garagem aberta e sentam na cadeira velha de balanço, que me parece ser muito confortável, principalmente se estiver recebendo cafuné atrás da orelha. 

Não possuo boa audição, apesar de ser um cantor nato, por isso, aqui de minha casa, pude apenas ver os lábios do Senhor mexendo e sorrindo para Chico, que adormecia ao balançar da cadeira. Para lá e para cá, os olhos fechavam lentamente e a respiração finalmente relaxava. É hora de dormir

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Junto da juventude vinha o romance, o amor quente que prévia o verão de dezembro. Ao bisbilhotar Chico com mais veracidade, descobri que vivia um romance escondido com uma gata-preta de olhos verdes-escuros, que combinava com seus olhos verdes-claros. 

Chico, com sua pelagem cinza e preta, olhos delineados e pose de modelo, se aproximava da gata-preta e muito bem cuidada. Seu nome permaneceu um mistério, apenas uma vítima de um caso de algumas semanas. A sorte dos felinos (e de seus donos) era a bendita castração, caso contrário, a paternidade chegaria um pouco cedo para o jovem gato Chico. 

Enquanto Chico crescia, seu dono envelhecia; era a ordem natural da vida – apesar de eu não ter presenciado a velhice com meus próprios olhos. Eu apenas sei que nascemos, crescemos e vivemos ansiosos com o dia em que morreremos.

Com a velhice do velho fotógrafo, Chico ficava mais sozinho enquanto o dono saía de ambulância uma vez ou outra. Assim, Chico criou um costume engraçado, um que pude acompanhar muito mais de perto: ao ser “abandonado” sozinho em sua casa fria, a solidão batia em seu peito felino e então fugia. 

Chico ficava fora de casa até o determinado momento em que seu dono retornava. Seriam horas, talvez dias, mas ele não voltava enquanto não tivesse companhia. Onde ele ficava? Por aí, dormindo em cima de carros alheios, dormindo em garagens vizinhas e às vezes entrando nas casas, buscando uma amizade ou alguma forma de se sentir menos sozinho. E então eu enchi meu peito de coragem e fui até Chico… infelizmente ele não foi com a minha cara e por pouco não meteu os dentes na minha pele. Depois desse dia, nunca mais cheguei tão perto do perigoso gato Chico, observando a uma distância segura e própria para entender fofocas.

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Meu jovem gato Chico, tão pequeno e frágil, mas age como um tigre adulto, como se fosse capaz de devorar todos ao seu redor. Uma pena ter descoberto dessa forma que os animais nem sempre têm voz. 

Aos domingos, Chico e seu dono saem para passear, como dois grandes amigos, ou talvez como pai e filho. Mas, assim como uma criança, não se pode piscar os olhos mais do que o tempo necessário, caso você esteja a fim de prevenir desastres. Infelizmente, seu dono havia se encantado com uma flor de orquídea no parque, se perdendo no tempo e no espaço, deixando com que seu filho (gato) ficasse sem supervisão ao lado de… cães. 

A história não termina exatamente como você imagina, quer dizer, Chico é apenas um jovem felino, mas definitivamente não é um saco de batatas! Os latidos não são páreos para o super-mega-hiper rugido de Chico, que assusta não apenas os vira-latas gigantes, mas também os donos que passeavam pelas calçadas. O senhor do Cliques olhou rapidamente para trás, mas de repente ela apareceu… uma das maiores cachorras que eu já vi nesse calçadão: a Célia Cristina. A pobre coitada levou um baita susto com o jovem gato Chico e acabou pulando na sua dona que, consequentemente, derrubou o dono de Chico. 

Eu não sabia se achava engraçado ou preocupante, mas quando Chico deitou no chão e pediu carinho, não teve como aguentar! Rimos muito e ele foi muito bem acariciado. Claro que eu não pude chegar tão perto, mas pude ver tudo com clareza. Eu sempre vejo tudo muito bem.


É aquele gato, aquele mesmo! O gato do qual vocês não aguentam mais ler. O jovem gato Chico, envelhecendo a cada dia e parecendo ainda mais com seu dono. Dizem que os animais sempre são iguais aos donos, e isso ocorre porque eles se identificam um com o outro, às vezes é a aparência, como um gato pelado e seu dono careca, ou um shih tzu com uma madame cabeluda. Ou um pássaro, cuja dona é uma velha fofoqueira. 

Chico e seu dono passeavam 6 dias por semana quando o pequeno gato ainda era um filhotinho. Nos últimos anos os passeios diminuíram para 4 por semana, e agora… bom, agora a história é diferente. E terei que ser franco com vocês: a vida não é justa. 

Não sou inteligente e estudioso; na verdade, sou apenas perspicaz e possuo boa memória (é de família), mas migrei muito pela região e escutei muitas histórias enquanto passava férias em algumas casas. Houve uma vez – prestem atenção! – que aterrissei em uma casa rosa, em que nela habitavam uma senhorinha e seu cachorro, o Bartinho. 

Bartinho falava pouco, um cara de poucas palavras, mas sua dona não calava o bico em momento algum! Tive muitas dores de cabeça e até cogitei sair daquela pousada… mas, no momento em que eu estava indo embora, eu ouvi a Dona chorar.

Não me julguem, pois sou muito mole e não aguento lágrimas descendo na minha frente, mas também não podia sair dali sem saber o que estava acontecendo. Lembro-me claramente de suas doces palavras, com tosses constantes pelo cigarro:

– Bart, querido, não aguento mais essa vida injusta, cof cof, estou morrendo, sabe? Dizem que cachorros sentem quando alguém está morrendo… principalmente de câncer. Talvez seja por isso que você me escolheu, não é? 

Bartinho choramingava e não precisava de palavra alguma para saber que aquilo vinha do fundo de seu coração: amor, saudade e luto. 

– Talvez eu não viva mais tanto tempo, cof cof, e deixarei uma fortuna para trás. Uma pena, querido Bart, que você não possa gastar o dinheiro que deixarei no mundo dos vivos… Me arrependo, cof cof, amargamente de não ter me casado ou de não ter criado uma família, mas você sabe, Bart, você é tão velho quanto eu, viu minhas desgraças desde que eu tinha 13 anos de idade! Cof cof. Então você sabe que eu não poderia me casar ou ter filhos, pois isso não seria justo. Ainda bem que tenho você, Bart… 

Os segundos seguintes foram silenciosos, sem o barulho irritante da tosse, muito menos da conversação insuportável da pobre velha. Bartinho sentiu antes de mim, sentiu que ela estava de partida. Tentei ser forte. Segurei as lágrimas. Mas Bart, velho como estava, se aconchegou no colo da sua dona tagarela e fechou seus pequenos olhinhos. 

O Senhor dos cliques era forte, mas não era indestrutível. Havia passado por maus bocados, muitas doenças e abandonos, enfermidades e dificuldades. E a única coisa que lhe fez bem nos últimos anos foi o Chico chegar em sua vida. O último diagnóstico chegou nesta tarde e, dessa vez, o dono de Chico não conseguiria seguir em frente.

E então, na saída dos carros para levar o velhote ao hospital, Chico, o jovem gato, ficou imóvel do lado de fora do portão, observando minuciosamente. Me pergunto se ele também sentiu. Me pergunto se ele escolheu seu dono por isso. Para fazer o restante de sua vida mais feliz.


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