Perda
Isso não é um poema, tampouco um conto de ficção. Isso tudo sou eu, da mais profunda verdade. A verdade que sai do meu peito, e que poderia facilmente sair num grito. Apenas um desabafo da cruel seleção natural.
A morte chega sem cerimônias, sem convite e sem simpatia alguma.
Num dia estamos aqui, no outro não mais, e a tristeza de não poder se despedir dói demais.
Lembro-me que sempre dizia te amar, pois tinha medo que na semana seguinte a notícia chegasse e eu me arrependesse de não ter dito o que você precisava ouvir.
Não me arrependo, pois pude me despedir de você várias e várias vezes enquanto ainda estava acordada.
"Até mais vó, eu te amo muito", era o que eu dizia enquanto ficava pensativo se aquela seria a última vez que você ouviria aquelas palavras ou se no próximo mês você voltaria para casa.
Desde ontem eu pensei muito no vô, e na escassez de "eu te amo" que ele ouviu da minha boca. Não pude me despedir dele também, mesmo sabendo que não seria eterno.
Você que sempre cuidou de mim, que brigava comigo e que me dava vários doces escondido.
Toda terça era pastel, tínhamos sopa, carne, cuscuz e muito chá!
Queria ter aproveitado as suas refeições, queria poder comer tudo de novo, e queria ter aprendido como fazer do seu jeitinho, para que eu ainda pudesse carregar mais de você.
Lembro-me de ler versículos para você, de cantar hinos e de ler histórias. E, por algum motivo, a lembrança de quando eu tentei te ensinar a ler e escrever... Queria que a senhora tivesse aprendido para poder ler minhas histórias agora, mas como poderia? Uma criança de 7 anos que escrevia tudo embaralhado.
Carregarei muitas lembranças incríveis que tenho com você, principalmente aquela de quando fiquei com ciúmes da Maisa no bom dia e companhia.
Se eu pudesse reviver esses anos da minha infância ao seu lado (e do vovô) eu faria de tudo. E repetiria mais cem vezes, e não mudaria nada em nenhuma.
Queria te fazer companhia, fofocar na janela, comer leite em pó escondido na sua casa, me atacar nos doces de amendoim e fazer aquele bolo que fizemos juntos de novo.
Não posso remendar meu coração, também não quero, e, mesmo que ele esteja vazio agora, preencherei com as suas memórias e suas risadas. Irei preservar sua imagem e fazer questão de lembrar de você quando tomar chá de endro na próxima vez (inclusive obrigado pelo vício mais gostoso que tenho!).
Não escrevo isso para você, pois você não vai ler. Escrevo à minha família, escrevo aos meus amigos, para que eles possam conhecer a senhora e se identificar no amor e na perda.
Não Eros, mas agora eu.
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